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TODOS OS TEXTOS E IDEIAS SOBRE A EXPOSIÇÃO:

A idade do tempo e o lugar do espaço

Na segunda exposição da série Eco)))o promovida pelo Yázigi, Paulo Pacini que também é curador da série com Célia Barros, expõe os seus trabalhos recentes junto com Ricardo Valise. Os dois artistas realizaram as obras especialmente para esta exposição.


Eco do tempo e eco dos lugares a mostra vem trazer à tona a noção de tempo, aquele que todos perdemos, e de espaço, aquele que não é de ninguém, mas nos representa.

Tempo e lugar são sinónimos do que a série Eco)))o quer trazer para a eficiência do dia a dia. O tempo é um recurso natural que não podemos desperdiçar. Apagar o tempo é apagar o lugar de onde nascemos.


Ricardo Valise expõe uma série de trabalhos feitos a partir de materiais já existentes. Ele é o artista do tempo, figura principal na construção do trabalho. As suas peças sempre tendem para o tridimensional. Paulo Pacini é o artista do lugar, nas suas telas a Serra da Mantiqueira aparece magistral mostrando-se intransponível no horizonte da visão.



Inauguração em São José dos Campos


Notas sobre a exposição

Nesta exposição o trabalho de cada artista se complementa no outro. De um lado ferro oxidado, tecidos, linhas, caixas que emolduram uma composição de objetos, como se fossem relíquias. Tentativas de reelaborar o que passou e o que virá, preservando-o num espaço limitado: o lugar do tempo.

Do outro, desenhos inscritos em superfícies recortadas, paisagens que não oscilam ao vento, perderam a cor e viraram áreas planas com contornos delimitados: o lugar do espaço.

Para Valise tempo não tem idade, o que existe é apenas o presente: é aqui e agora que construo a matéria do tempo, passado e futuro. O objecto artístico surge como especulação daquilo que não se consegue reter, sacralizar vira vontade de conhecer.


Paulo Pacini vê a paisagem como elemento que constrói a identidade de um povo, que por sua vez faz parte da sua paisagem. A paisagem é vista como um ícone que transmite em poucos traços a essência da sua mundanidade.

Pensando a exposição

O texto que segue é a troca de emails entre a curadoria e os artistas para pensar a exposição. Esse registro auxilia a compreensão do trabalho dos artistas e a orientação da curadoria.


O que é o tempo?


RICARDO VALISE - Somente é fato o presente, só o presente é o tempo. Mas o que podemos chamar de presente? Presente é o agora, esse momento, esse exato “segundo”... e nos pegamos medindo o tempo, ou seja, o tempo só existe porque nós criamos medidas para ele como dias, horas, vidas, anos, minutos, segundos... Para a existência o tempo vai além do eterno. Não existe um marco que delimita aqui termina o passado, aqui começa o presente e ali começa o futuro. O tempo só existe na mente dos homens, por conta disso, o tempo não é matéria.



Como é o teu processo criativo. Como acontecem as coisas?


RV - Existe dentro de mim, e acredito que também dentro das outras pessoas que se dedicam a arte de uma forma geral, algo pulsante que se manifesta como “desejos de exteriorizar algo”. Isso no meu caso serve como uma libertação de desejos palpáveis que vem em forma de objetos, pinturas etc.

Quando tudo está preparado e eu me entrego ao processo de criação, as coisas fluem com muita intensidade. As imagens vêm prontas para mim e com muita rapidez e eu então muitas vezes anoto essas idéias que nem sempre realizo. Muitas vezes, o resultado de uma obra é muito próximo da concepção e da anotação, outras acaba tomando um rumo completamente diferente do proposto e por vezes o grande barato fica mesmo por conta do acaso. Do processo de criação à execução e finalização da obra existe um longo caminho a percorrer, já que meus trabalhos são feitos em etapas (pintura, sobreposição, raspagem, interferências etc.) o que permite e dá espaço muitas vezes a mudanças nos resultados visuais da peça. Porém, existe sempre em todo o meu trabalho a preocupação com o resultado final que deve obedecer a um critério visual de diálogo entre os materiais, equilíbrio visual, cromático e ao mesmo tempo despertar a curiosidade do observador, levando-o a passear pelo meu universo amparado por três tópicos, tempo – ausência -sagrado.


Quem é aquele que observa o teu trabalho?


RV - Arte não se ensina, mas se aprende. O grande objetivo é fazer com que as pessoas aprendam a olhar de uma forma diferente. Olhar com os olhos da alma, com olhos de poeta. A poesia faz a grande diferença na vida das pessoas e é a isso que devemos nos empenhar cada qual na sua atividade ou segmento.A poesia é a ponte que liga a obra e consequentemente o autor ao observador. No momento em que ocorre esta ligação existe uma vibração na alma do observador, sem exageros, que faz com que a mente se desligue, não interfira com porquês, o que significa, o que quer dizer... etc e só exista a comunhão poética. A vida fica mais leve, sutil e bela quando se olha com os olhos d'alma. Eis o grande desafio; chegar mais próximo da nossa essência que tem a poesia como ponte de ligação.


Paulo, você vê o lugar como um ícone. É isso?


PAULO PACINI - A idéia de ícone, por ser sintética, me interessa mas a seleção dos lugares para trabalhar as gravuras ocorreu por vários outros motivos. Os tenho como referências. As vezes é uma homenagem, as vezes uma recordação. São símbolos.


Ao juntar o teu trabalho com o do Ricardo surgiu-me a idéia de que os dois trabalham o mesmo aspecto sobre dois pontos de vista diferentes. Aparece-me a palavra memória, no sentido em que 'tempo' sedentariza o lugar, fossiliza-o, e o lugar é a memória do tempo. É Assim que vês a Serra da Mantiqueira?


PP - Memória. Sim pode ter essa conotação. Convivi com a imagem da Serra da Mantiqueira por vários anos enquanto os prédios de Taubaté me deixavam vê-la. Depois, quando encarei a sério um projeto de construção de imagens a Serra apareceu naturalmente, pensada como parte da minha identidade e da de todos que vivem com a imagem do paredão azul que indica todas as direções geográficas. É uma enorme referência e, dizem os antropólogos, que o meio colabora na formação do nosso caráter. Sei que é assim e em mim a Mantiqueira, vista a partir do Vale do Paraíba, fez isso. Tem também a reflexão da Serra enquanto presença, antes de você e eu termos nascido. Aspecto que também me interessa.


Porque escolheste a pintura a óleo e a gravura em metal, tem algum motivo objetivo?


PP -Na gravura gostei do cheiro da tinta e também de poder atuar em todo o processo até a impressão. A quantidade de cópias também me seduziu no início. Depois o momento da impressão, a forte pressão no instante que a chapa e o papel passam pelos rolos da prensa. Hoje, é esse instante que me atrai. O óleo surgiu mais cedo. Em criança frequentei por alguns anos uma escola de artes em Taubaté, de ensino acadêmico. Muitos anos depois, com o mesmo mestre da gravura, George Gutlich, voltei ao óleo buscando outra expressão. "Falar mais alto" era um dos objetivos. No princípio nada deu certo pois não sou interessado pelos aspectos técnicos e vários trabalhos não resultaram e acabaram por morrer. Recentemente encontrei um jeito de pintar que me agrada. E tem também novamente o cheiro. Nunca pintaria com acrílico, acho.


“Falar mais alto"?


PP - A melhor maneira de ver uma gravura no papel é tê-la em mãos e perceber até os pequenos relevos feitos pela prensa. O toque é importante, o cheiro. Para mim a gravura “fala” baixinho, de perto, sussurra. Uma tela a óleo, a contar de seu tamanho, tem a possibilidade de “falar mais alto”, ser mais expressiva. É quase um grito. É isso que eu procuro no óleo.


Fala-me dos elementos do teu trabalho. O que o compõe.


PP - O desenho é início e o fim. Uma referência de uma arquitetura ou da presença do homem, construção. O branco como cor predominante em vários matizes. A Mantiqueira como referência. A escala, o tempo para se perceber e, por detrás de tudo, (não sei se posso dizer assim) idéias que penso sobre inevitabilidade e dualidade.

No início usei o desenho como ferramenta de aproximação, como uma lente que aproximava, aprisionava e selecionava pontos de vista do que eu via e que me eram interessantes. Hoje sai mais naturalmente.


Desenho é uma forma de aproximação com qualquer assunto - no meu caso com a paisagem. É isso antes de qualquer outra coisa. Uma ferramenta. Um instrumento de medida e de consciência. Desenhar é aprender a ver. Depois, o desenho vira linguagem, escrita, motivo para a pintura. Sou um desenhista, não um pintor. A paisagem me ocorreu como motivo pela minha simples trajetória, pelos mestres e amigos contemplativos que fiz – lembro do Henrique Coutinho, fundamental - e por uma sede de conhecimento do mundo. É o tema nesse projeto. Onde nós vivemos e por onde conhecemos o mundo.


Quem é aquele que observa o teu trabalho?


PP - Procuro o outro, sempre. Realizo o trabalho porque procuro contactar quem o vê. Quero sempre dizer algo mas o que mais me interessa nessa comunicação por meio da arte é que o trabalho se completa na cabeça de quem o vê. É a forma mais criativa de comunicação que conheço. O espectador entende o que eu disse embora eu não tenha dito. Algo que fala muito mais de quem vê o trabalho do que de mim, que realizei a obra até aquele ponto. Diz muito mais do outro.


Valise, olhando para estes três tópicos que apontou antes, tempo - ausência - sagrado e lendo o que escreveste sobre o tempo, será que podemos dizer que o tempo é apenas o peso do presente. Que passado e futuro pertencem a uma noção de ausência e que o sagrado é aquilo que tenta recuperar, unir tudo isso?


RV - O presente existe e ele é o sagrado, o milagre da vida. Contudo, quando me refiro ao sagrado nas minhas obras, estou me referindo ao misticismo de uma civilização, real ou não, que está e sempre esteve atrelado à história da humanidade. Os registros históricos e arqueológicos sempre relatam atividades místicas de um povo e é isso que me fascina.

O meu trabalho e o do Paulo, embora muito diferentes, esbarram na mesma tecla quando enaltecemos a memória do tempo, memória do espaço e do lugar.


Paulo, por vezes o desenho é mais um personagem do quadro. Ás vezes não sei se o personagem principal é a Serra, que aparece em grande plano e que por vezes quase que resume um quadro inteiro. Ou é apenas um desenho da serra?


PP - É um desenho da Serra mas você tem razão, o desenho é mais um personagem do quadro. Menos como alegoria e mais como elemento vivo da composição. Não quero esquecer que faço paisagem mas, gostaria que as linhas estivessem ali por si próprias (será querer demais?). Isso ficou claro num trabalho que fiz para uma exposição em novembro de 2007. Estava desenhando quando passei uma linha por cima da paisagem. Queria que ela estivesse ali por conta própria, como para marcar que aquilo é um desenho e não a paisagem real ou uma representação do real. Busco assim outra natureza.


Um quadro pode ser um diálogo?


PP - Sim. Pinto porque quero me comunicar e com meus trabalhos proponho um diálogo. O momento da exposição é importante por causa disso. Como os trabalhos se completam na cabeça de quem os vê o diálogo criativo aponta novas interpretações. Diz-se que um trabalho quando "funciona" tem algo como uma interpretação aberta - um segredo aberto - que é percebido pelo espectador de maneira diversa. Isso também me interessa.


Valise, o teu trabalho circula em volta de uma ausência de conhecimento, ausência de presente, portanto de tempo; mistério, invocação, especulação. Ou seja, na falta de um conhecimento e da sequer possibilidade de reconhecer o porquê dessas formas, temos um outro tipo de sagrado: o mistério e a invocação de sentidos: a vontade de conhecer.


RV- É isso mesmo, estou sempre brincando com a ausência do tempo, da informação do significado real do objeto. O diálogo entre materiais, a forma e o conteúdo visual determinam o resultado do trabalho mas não antes da "brincadeira" de criar um objeto com uma essência basicamente "mística". Na concepção da obra, passeio pelos limites da utilidade do inútil ou inutilidade do útil, da sacralidade do descartável ou da dimensão do divino... Penso no que é divino para uma cultura e o quanto isso não representa nada para outra... enfim... Diferentemente do Paulo, penso primeiramente no ato do fazer, na grande brincadeira e paixão que isso provoca em mim, o espectador vem em segundo plano.


Como já disse, penso sim em quem observa meu trabalho porém, sinceramente, ele vem depois de mim. Não sou capaz de fazer algo pensando somente no observador. Faço para mim. Experimento, descarto, faço e refaço. Esse momento é único para mim e quando consigo realizar algo que me agrade sinto-me muito feliz. Daí vem a segunda parte do processo que é "libertar" a obra e permitir que outras pessoas interajam com ela, passeiem com o olhar sobre elas, finalizando o processo criativo.


Paulo, de que precisa um espectador para ver e "compreender" o teu trabalho?


PP - De tempo. Embora "compreender" não seja o importante. Faço arte como uma forma de comunicação e o importante será sempre estabelecer a comunicação. Para os trabalhos da exposição, basicamente pinturas, será preciso um tempo diante delas. Uma tela não fala, não aperta sua mão e se apresenta apenas pela visão, pela reflexão de luz. É preciso deixar os olhos passearem pelo trabalho por um tempo.